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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

As caixas do nosso cotidiano


Por Anelize Gabriela


Não me considero boa para contar histórias de modo descritivo (queria eu ter um terço do dom de Eliane Brum), mas creio que essa devo tentar.

São nas pequenas situações que percebemos a falta de compaixão, coragem das pessoas e a hipocrisia das instituições em ajudar quem precisa.

Na semana passada, por volta das 22h30, estava na estação de mêtro Guilhermina-Esperança, eu e um amigo, quando uma menina de uns 6 anos, morena, de cabelos encaracolados e uma bolsinha de lado, surgiu do nosso lado. Ela olhou dentro de uma caixa grande, aquelas que ficam no mêtro da campanha do agasalho e fez meia volta. Foi até sua mãe e disse que lá havia sim roupas. A mãe da menina era loira, tinha um sorriso castigado pela sua condição e um bebê no colo que calculamos ter pouco mais de um mês pelo seu tamanho.
A mãe da menina se aproximou da caixa também e pediu pra filha fazer o mesmo. As duas ficaram praticamente encostadas em nós. Não entendi o que elas queriam. Até chegou a me ocorrer um pensamento típico de quem mora nas grandes cidades e está assombrado com a violência (mas não admite que é exatamente esse tipo de preconceito e indiferença é que gera a violência), tipo um pensamento mediocre e clichê do tipo: “Será que ela vai nos assaltar”, pensei.
A mãe disse a menina: “Temos que ser rápidas ele está olhando para o computador”. Eu e meu amigo olhamos um para outro sem entender. Ela estava falando sobre o funcionário da SSO, que estava exatamente em frente a caixa. Percebendo que nós não estávamos entendendo nada, a mãe nos disse: “Eles não nos dão essa roupa, já pedi, mas eles falam que não podem dar, mas eu preciso e vou pegar essa roupas para as minhas filhas”.
Eu e meu amigo consentimos com a cabeça, para que ela percebesse que não estávamos desaprovando o ato dela.
Ela pegou a primeira sacola com roupas, apreensiva, que o funcionário fosse vê-la e pediu para filha segurar. Tentou abaixar e pegar mais uma sacola, mas não conseguiu. Ela teria que ser cautelosa, qualquer movimento brusco, o funcionário iria se desconcentrar do computador e vê-la.
A mãe então deu o bebê para filha segurar e antes de tentar pegar a segunda sacola nos explicou: “Morava no Jardim Romano, esse bairro que está passando toda hora na TV e perdi tudo que tinha. Estou em um hotel na Penha pago pela prefeitura, tenho seis filhas, e estamos sem ter o que vestir, a chuva levou tudo que tínhamos”.

Já são mais de 60 dias que os moradores do bairro na zona leste de São Paulo, foram castigados pelas fortes chuvas perdendo tudo que tinham e vi ao meu lado não mais uma entre tantas famílias, mas uma mãe desesperada pois suas filhas não tinha o que vestir e ela tinha que se arriscar por elas.

Começamos a conversar com mulher e perguntei se ela já tinha pedido as roupas da caixa pra alguém do mêtro. E ela disse que sim, mas eles a expulsaram da estação e agora ela tem que pegar assim às escondidas, pois as meninas precisam das roupas.

Ficamos indignados vendo a burocracia ridícula para ajudar alguém. Se ela precisa, porque não deram a roupa pra ela? Provavelmente porque as roupas são encaminhadas para alguma instituição de caridade? - Pensei dane-se a moça precisava e a roupa estava ali, Ela praticamente estava tendo que "roubar" roupas que a população cedeu para doação.

Uma funcionária da limpeza avistou a mulher tentando pegar a terceira sacola. Ela apressou-se e conseguiu pegar a sacola. Comentou com a gente que aquela funcionária já tinha "metido com a língua nos dentes uma vez" que ela tentou pegar as roupas e ela foi expulsa de lá. A funcionária comentou com um colega da bilheteria do mêtro e ficaram a observando. A essa altura moça já tinha nos agradecido por ter a encobertado e saiu como se fosse uma fugitiva com duas filhas.

Já o funcionário da SSO, me deu vontade de lhe dar os parabéns, por pelo menos não ter reagido como os outros. Fez vista grossa, mesmo debaixo do seu nariz, deixou com que a mulher pegasse as roupas e fingiu estar tão atento que não percebeu os movimentos na caixa a sua frente.

Agora eu lhe pergunto, porque as pessoas não conseguem se pôr no lugar das outras e as invés de atrapalhar, tentam ajudar. A estação é a poucos minutos do bairro atingido pelas chuvas. Penso que podia ser minha família e talvez eu no lugar daquela moça.

Eu covardemente deixei que a mulher fosse embora sem ao menos pegar algum contato, marcar um horário para tentar arrecadar algumas roupas e ajudá-la.

Fiquei indignada com as pessoas do mêtro, comigo, com o mundo...

Meu amigo ainda tentou pegar o mêtro e encontrá-la, pois também compartilhou da mesma indignação, mas nada...Deixei escapar uma oportunidade de ajudar aquela família de algum modo. Tudo que fiz foi servir de muro para que ninguém percebesse que estava pegando as roupas. Me perguntei, isso é tudo que posso fazer?

Talvez sirva de lição pra mim, para da próxima vez descruzar o braço e ser útil para uma vida.

Só quis dividir uma história das tantas famílias que sofrem no Jardim Romano.